Canto V

Nas estrofes noventa e cinco a noventa e sete, é revelado um misto de sentimentos relativos à nação Lusitana, em que o sujeito poético releva um sentimento de frustração pelo país que não acredita na arte e na cultura – particularmente na literatura como linguagem do reconhecimento dos feitos e dos valores Portugueses pelo mundo.

Ainda assim, este sentimento não esconde todo o orgulho nacional que o poeta sente, confiados nas acções daqueles cujo único objectivo é tornar a Obra real – os homens a quem segue Césares, Alexandros e Augustos e que compõem uma parte da História de Portugal.

O verso “Dá a terra Lusitana Cipiões / Césares, Alexandros, e dá Augustos”, introduz um tipo de verso metonímico, em que o sujeito poético pretende afirmar a  nação Portuguesa como berço de grandes individualidades de estatuto bélico, comparados apenas aos heróis internacionais presentes nos mais importantes conflitos armados da história antiga. Desta forma, a “terra Lusitana” torna-se também ela um importante centro de criação e formação de soldados no caminho para o novo mundo.

O poeta concretiza uma crítica à atitude observada no povo português que, indiferente a todas as conquistas e vitórias em terras desconhecidas, mantém-se isolado dos seus reais heróis nacionais – indivíduos cuja caracterização e estatuto são desconhecidos pois não foram alvo de divulgação dos seus feitos. Pelo contrário, os seus homónimos chefes da antiguidade eram guerreiros mas não esqueceram a cultura e viram os seus feitos cantados.

No entanto, o sujeito lírico não contesta o seu amor pela pátria nem coloca em causa a continuação dos feitos – reiterando o seu propósito enquanto autor no engrandecimento cultural por via do “verso e rima”, mesmo que nunca venha a ser reconhecido, porque só assim é possível levar a um povo todo o conhecimento factual das grandes obras realizadas.

A primeira estrofe do excerto transcrito do Canto V da Obra D’os Lusiadas dá conta da chegada a Portugal por parte dos navegadores lusitanos, após desbravarem terras longínquas e cumprirem a sua missão em pleno.

No mar, o desembarque é referenciado pelo sujeito através de uma descrição espácio-temporal, na qual se depreende um “mar sereno”, que se equilibra num “vento sempre manso e nunca irado”, condições de aparente calma e harmonia a que os marinheiros portugueses experienciam aquando da chegada a Lisboa, através do “Tejo ameno”.

Já na sagrada terra, trazem consigo novos desígnios e ofertas para o Rei – responsável máximo pela missão portuguesa, que será elevado com novos títulos obtidos através do esforço dos conquistadores na execução da Obra dos Descobrimentos – “E à sua pátria e Rei temido e amado / O prémio e glória dão por que mandou”

A interpelação ao Rei “Por isso vós, ó Rei, que por divino / Conselho estais no régio sólio posto” surge no contexto da estância 146 como um incitamento ao próprio chefe de estado para que este tenha em consideração os feitos dos seus soldados fiéis – “vassalos excelentes” – que elevam os valores de Portugal pelo mundo fora.

Estes são os homens que o poeta exalta por tomarem uma atitude proactiva contra o estado atual da nação- “Não tem um ledo orgulho e geral gosto, / Que os ãnimos levanta de contino / A ter pera trabalhos ledo o rosto”. Assim, Portugal surge mergulhado em valores morais questionáveis, assentes na cobiça e na rudeza, sintomas de uma sociedade que não honra a memória dos heróis – “Dua austera, apagada e vil tristeza”.

A utilização da enumeração presente na estância 147 introduz um efeito de paralelismo frásico nos versos 4 a 8, em que o sujeito poético pretende reforçar as condições e os efeitos nefastos que os portugueses se depararam no decorrer das suas missões – “A ferro, a fogo, a setas e pelouros / A quentes regiões, a plagas frias / A golpes de Odolátras e de Mouros / A perigos incógnitos do mundo / A naufrágios, a pexes, ao profundo”.

Esta descrição invoca o poder de superação e resistência demonstrados pelos conquistadores portugueses que, através da coragem e lealdade para com o Rei, ultrapassaram barreiras e venceram perigos – por uma missão superior, de caracter nacional.

Triste/desanimado/derrotado/impotência | surpresa / inquietado

O sujeito lírico apresenta-se visivelmente desanimado com o estado geral de Portugal, colocando em causa a continuação na elaboração da sua obra literária de reconhecimento dos feitos do povo português – “Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida”.

Como tal, o poeta fica surpreendido com a atitude dos Portugueses – povo com provas dadas do seu engenho de bravura, mostram-se agora indiferentes à obra do sujeito lírico – que observa o seu trabalho a ser cantado para “gente surda e endurecida”, revelando a sua tristeza para com o povo lusitano que, em vivências baseadas na “cobiça e na rudeza”, não têm capacidade para reconhecer o trabalho do sujeito poético no que diz respeito à edificação da obra literária da história dos descobrimentos portugueses.

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