No poema “Dactilografia”, a situação presente do sujeito poético é visível nas estrofes um, dois, três e nove, em que o poeta fornece uma localização espacial do seu trabalho, assim como a sua condição emocional.
Seguidamente, o poeta medita sobre a nostalgia do passado é colocada em foco pelo “eu” lírico na estrofe quatro. Neste discurso, é feita uma deslocação psicológica do sujeito para um tempo primordial da sua infância.
Após sentir as lembranças e memória da sua infância o “eu” poético aborda a temática sobre a realidade e o sonho. Tal como é possível observar nas estrofes sete o oito, o sujeito lírico faz uma assimilação entre “duas vidas” – a “real” que é sonhada desde a infância e que continua até adulto; e a “falsa”, que se vive “com outros” e que “é pratica” (v.6)
Por fim, o sujeito poético é acordado inesperadamente para a realidade da situação presente, marcado pelo uso da conjunção coordenativa adversativa “Mas”, que surge como quebra no discurso anterior do sujeito.
A repetição da estrofe “Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro” / “O tic-tac estalado das máquinas de escrever” marca expressivamente a monotonia e o tédio da vida quotidiana e profissional do sujeito poético, sublinhado através do uso do advérbio de modo “banalmente”.
No Final do poema, é inserida uma variação, em que se “ergue a voz” do tic-tac, ou seja, o sujeito poético é acordado repentinamente para a realidade, impondo-se a qualquer memória ou reflexão do passado.
O sujeito poético é um engenheiro que executa o seu ofício num cubículo, uma estrutura fechada em forma de cubo com uma geometria definida de forma igual, que sugere a ideia de isolamento e enclausuramento do lugar onde executa a sua profissão. Vivendo sozinho com o seu tédio e cansado da banalidade do quotidiano, o sujeito lírico torna-se alheio a si mesmo -“Remoto até de quem sou” (v.3) – surgindo desta forma um distanciamento espácio-temporal que vai ser o mote para, mais tarde, refugiar-se no sonho e na nostalgia do passado.
No poema, está patente a oposição entre a idade adulta, enquanto tempo presente, e infância, enquanto tempo passado em que o sujeito poético se tenta refugiar. Esta fuga para a infância é iniciada através do advérbio de modo “Outrora”, que surge como a porta para o tempo da segunda vida, a vida perdida – tempo do místico, do sonho – que não conhece a vida adulta do sujeito. Esta nostalgia é revista através de imagens e ilustrações, capturadas através da sensação visual, tal como uma criança, que cria uma realidade à base de figuras – “Eram grandes paisagens do Norte…” (v.4 estrofe 4) . Desta forma, o passado é representado por uma felicidade inconsciente e um tempo de alegria, e o presente, pela experiência do tédio, da nostalgia, da inquietação e pelo desconhecimento de si mesmo e do futuro.
O verso “Temos todos duas vidas” inicia a reflexão do sujeito poético, segundo o qual a vida verdadeira é a do passado, a do sonho – aquela em que apenas existe a felicidade imaginária. Para acentuar esta ideia, o sujeito faz uso de palavras do campo lexical do mundo da fantasia e imaginário – “livros coloridos” (v.3 estrofe 8); “paginas de cores” (v.4 estrofe
Pelo contrário, a vida que vivemos na realidade é banal e quotidiana, sendo que o sujeito poético vive nesta uma vida falsa, atenuada através de palavras do campo lexical de morte – “Nesta morremos” (v. 7 estrofe 8); “Na outra não há caixões, nem mortes” (v.1 estrofe 8).
No poema, estão expressas várias figuras de estilo, entre as quais se destacam:
- as exclamações e anáforas, presentes nos versos um, dois e três da terceira estrofe – “Que náusea de vida!”; “Que abjecção esta regularidade!”; “que sono este ser assim” – cria ênfase à ideia do sujeito poético de nojo e tédio da sua vida.
- As reticências, presentes no verso oito da oitava estrofe – “Neste momento, pela náusea, vivo só na outra…” – expõe uma ideia inacabada do sujeito, sobre a sua vida emocional falsa;
- As antíteses, presente no verso sete da oitava estrofe – “Nesta morremos, que é o que viver quer dizer” – o poeta resume a vida falsa à morte.